Deus à vontade: uma outra perspectiva

Nesse artigo vou tentar propor uma visão simples para uma questão desafiadoramente intrigante. O que quer dizer entregar minha vontade e minha vida aos cuidados de Deus? Qual seria a vontade de Deus? Primeiramente, queria deixar claro que não é preciso ter uma religião para assumir uma postura de tentar contemplar o que há de divino no nosso cotidiano. Comecemos fazendo uma distinção entre o apetite, o desejo e a vontade para tentar responder à primeira questão.

Como apetite chamamos todos os impulsos primários, sendo assim é pura energia, e está relacionado com nossos impulsos mais primários. Já o desejo requer um objeto para existir, portanto objeto mais energia é igual a desejo. A vontade, por sua vez, é a última instância em termos de energia motora das nossas inclinações. Por quê? Porque além da energia e do objeto ela contém outro elemento, muito nobre há de se acrescentar, que é a reflexão, portanto, um critério de valores. Se a vontade requer um critério de valores isso implica que eu me posicione, que eu tenha responsabilidade nas minhas decisões, que eu comece a prestar atenção no meu próprio caminho e que ande com minhas próprias pernas. Isso seria, para mim, entregar minha vontade e minha vida aos cuidados de Deus.

A questão da vontade de Deus vem logo após a minha reflexão e ação subsequente, pois eu não sei qual é a vontade de Deus para mim, só descobrirei depois que agi. Resta a mim, humildemente, aprender com os erros para não repeti-los. Eu, enquanto ser pensante, vou fazer o meu caminho, descobrir as minhas verdades e conviver com os outros de maneira satisfatória. Ficar com a sua parte dos bens e com toda parte dos males, essa seria a vontade de Deus, grosso modo. Resumindo, fazer a vontade de Deus é ser capaz de encontrar uma ação que possa se repetir indefinidamente sem que se degenere sua estrutura moral.

Colocar minha vida nas mãos de alguém: um guru, um pastor, um padrinho de NA…tira a possibilidade de eu errar meus erros, de aprender com a vida e de descobrir minhas verdades. A etimologia da palavra “pecado” significa “sair do caminho”, não é à toa que a palavra “way” do inglês “jeito, caminho” tem esses significados. A alegria e o gozo da minha conexão com o sagrado só se dará do meu jeito, assim, não existe outro jeito senão o meu, portanto cabe a mim saber se estou saindo do caminho ou não. Claro que no processo de tomada de decisão é necessário escutar propostas e obter informações de outras experiências, pois o caminho é o mesmo, o jeito de andar é que difere, mas não preciso de mediadores para me dizer como viver. A última decisão é sempre minha. Nosso lugar de base é o desamparo, vivemos em uma esfera que flutua no infinito, porém não somos plenamente impotentes. Entregar minha vontade e minha vida aos cuidados de Deus é ter a coragem de errar e assumir os erros para retomar o caminho e não voltar a desviar na mesma situação, porque eu não sei qual é a vontade Dele na maioria das vezes e o bode expiatória, assim como o mito cristão nos ensina, é apenas mais uma vítima.

— Kleber da Cruz

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